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sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Jardim

               Sentei diante da rosa nova. Esperando uma meia noite para desabrochar. Acariciei-a com os olhos, sem poder tocar, porque um acordo foi firmado de que eu só a poderia tocar, sentir sua textura e maciez com as mãos, quando eu também tivesse a coragem de mudar quando o momento chegasse.
            Enquanto isso, observava-me a rosa velha, que já há muito vinha murchando [talvez tivesse até mesmo nascido murcha]. Ela me observava, sarcasticamente, como que esperando que a pétala nova nunca desabrochasse. Assim, a velha permaneceria sempre em meu foco, como um fantasma, sempre o mesmo fantasma, com os mesmos horários para ser regada com resmungos, os mesmos olhares debochados, o mesmo peso de todo dia.
            Ah! Como eu queria me livrar daquela murcha rosa, que, sabe-se lá Deus, onde ainda conseguia forças para manter seu fino talinho sustentando as frágeis pétalas. Eu poderia arrancar aquelas pétalas, poderia enterrar o galhinho. Ou não. Não. Não poderia. Eu precisava daquela velha rosa para saber o que de errado e certo fiz, para que a outra se mantivesse nova por muito mais tempo, para que a outra me encarasse com amor, ao invés de indignação.
            Então eu olhei de volta para a rosa velha. Lá estava ela, com todos os seus defeitos; de repente, surpresa, porque nunca eu a havia olhado de tal forma. Eu estava sempre esperando a meia noite da rosa nova. Sempre tentando me livrar da rosa velha, tentando ignorar a razão do por que eu deveria mantê-la viva. Bom, não hoje, eu queria me ver livre daquilo, queria sim. Então eu encarei a velha flor, e a sua surpresa acabou por se transformar em sarcasmo novamente.
            Mas eu reparei suas marcas, reparei cada ruga, rugas de tristeza; reparei a cor desbotada, de cansaço; reparei o galhinho que se mantinha de pé, encurvado e solitário, querendo se livrar do fardo dos espinhos. Mas reparei também pontos em que a velha flor ainda mantinha cor fresca e bela, seu sorriso; partes que haviam se prendido há algo já passado e se eternizado  em mim de alguma maneira. A flor me pareceu, de um salto, tão triste, percebeu tudo que eu havia percebido, o quanto a havia acariciado quando ela estava prestes a desabrochar [tal como fazia agora com a rosa nova] e, quando o primeiro espinho me havia ferido, na tentativa de manter os cuidados, eu a deixara de lado.
            A rosa me perguntou se eu faria o mesmo com a nova rosa prestes a desabrochar. Cada ruga, cada traço de sua cor, cada espinho e curvatura frágil perguntava-me até quando eu manteria somente um rosa nova no jardim, enquanto todas as outras envelheciam...e a maioria já havia morrido.
            Acariciei com as mãos a rosa velha, sabendo o quanto a havia cuidado mal e quanto mal tais cuidados rústicos me haviam feito.
            Pois então, a meia noite chegou. E, pesarosamente me despedia da velha rosa, a rosa que havia desperdiçado em meus maus hábitos há muito cultivados em minha vida. Então vi que, caso quisesse acariciar a nova rosa, deveria acariciá-la sempre, independendo dos espinhos e das feridas, independendo das rugas, entendendo que também eu devo abrir minhas pétalas para receber a vida. Sem esperar pela meia noite, ou pelo amanhecer, ou pelo dia. Simplesmente mudar para manter a rosa bela e criar, finalmente, meu jardim florido. De todas as cores; amarelo, azul, verde, vermelho, anil...E cultivar não só rosas, mas também lírios, margaridas, girassóis...
            Porque manter uma simples rosa viva e bem é difícil. Um jardim requer muito mais trabalho e dedicação ainda. Mas essa é a lição, compreender que todos tem que mudar e, se for para fazê-lo, então que seja por livre vontade, por amor a si mesmo e todas as flores que, fortuitamente, estarão por vir.


Estamos ficando velhos e querendo coisas novas. Sem perceber que o desgaste é interior.  Quando nos cansaremos de não crescer e, somente envelhecer?

FELIZ ANO NOVO!