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sexta-feira, 14 de maio de 2010

Ele não sabia ler

Eram seus últimos dias de vida. Sua patologia era única e, de acordo com os diagnósticos, “delicada”, quase sempre – quando tratada sem muita fé – incurável. Como ele mesmo costumava dizer: A vida era curta demais. Só lhe restava tempo para gastar seu dinheiro, fruto de um árduo trabalho, sempre ganhando votos de mendigos (que não sabiam nem ler nem escrever e, muito menos, tinham o que comer) detrás de sua mesa em seu gabinete político-eleitoral. E sua vida fora assim: muitas felicidades, mulheres, festas e festas. Dinheiro! Talvez por nunca se preocupar com o “amanhã”, nunca teve a preocupação de filhos, esposa, família. Porém, vendo sua vida passar em uma ampulheta de areias finas, todo o arrependimento que não havia se apresentado durante toda a sua vida, decidiu – por completo – em seu último suspiro, mudar tudo. Tal que assim, o homem resolvera tentar ajudar alguém, qualquer pessoa que fosse de alguma forma. Talvez por um motivo posterior – isso estava intrínseco no seu eu de ser. Mas assim, resolveu abrir mão de seu dinheiro (deixando apenas uma pequena quantia para a sua mãe, apesar de que não tivessem mais tanto contato) junto a uma carta epitáfio em forma de “testamento”. Seria um testamento diferente, no qual escrevera como fora sua vida, dando conselhos e cuidados que seu “descendente” deveria tomar para não se ludibriar com a quantia em dinheiro que iria “ganhar”.


O não-tão esperado dia havia chegado. Após se despedir de todos os seus bens-materiais – amados como filhos – que possuía, vestira seu melhor paletó com um chapéu – que serviria para cobrir seus próprios olhos, a esta hora à beira do pranto – e se encaminhou a uma pequena pracinha. Sentou-se em um banquinho acompanhado por um velho poste ainda apagado e pôs-se a pensar... Após minutos viajando em seu próprio pensamento, as horas acabaram se passando em segundos e, enfim, o fim estava pra chegar na hora marcada. Enrolara sua carta ao bolo de dinheiro e cobriu com as duas mãos sobre suas pernas. Esperou. Esperou. A luz do poste começava vagamente a se acender. Esperou. Começou a sentir uma reviravolta dentro de si. Estava começando. Mas, para não estragar o disfarce, sofrera em silêncio. Levantou-se e deixou o dinheiro embrulhado em sua primeira e última poesia e saiu às pressas. Escondera-se em um pequeno cantinho arborizado onde poderia disfarçar melhor sua autofagia. Até que enfim, um “estranho” sentara no banquinho. Jovem ainda, com a cabeça atribulada. Meio sem jeito. Roupas furadas. Sujo. Uma pessoa que ele nem notaria ao passar pela sua frente. Tudo estava ocorrendo como deveria, o menino desembrulhara o papel e olhara o dinheiro. Felicidade quase que instantânea. Observando pelas árvores, esperava apenas que o jovem lê-se a carta. E assim seria. O menino guardara o dinheiro dentro do seu peito com um olhar desconfiado e começara a olhar fixamente para o papel. Ficara olhando por um tempo. Atentamente. Ele estaria entendendo? Não esboçava nenhuma reação. Costumava duvidar da capacidade das pessoas constantemente, até que o jovem amassou o papel, jogou fora e foi andando naturalmente, agora com o peito estufado. O coração do homem não agüentou o rumo que a situação tinha se levado e desfaleceu-se.

2 comentários:

  1. Que show, Pedrinho!
    Nossa, dá pra refletir tanto através deste texto... Vc usa tão bem as palavras...
    Isso é um dom, viu?!

    beijo,
    Ágata

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  2. Eis uma situação em que, cotidianamente, nos deparamos com uma realidade que não se priva de nos repetir que "o mundo não para de girar para que consertemos nossos erros". Um chavão que certamente não perdoa a nós, humanos. Gostei demais, Pê! Bjs!

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